Já ia pela quarta página do primeiro capítulo, avançava relutante, desafiando o atrito gerado pela soma da própria inquietude ao idioma estrangeiro e ao tecnicismo nas páginas. Para evitar imprecisões, estava habituado aos dois últimos e era mesmo a inquietude que o fazia arrastar-se com penúria. Ainda, se fosse perguntado do porquê, não poderia responder, tampouco apontar o que causava a crescente agitação. Algumas sensações são assim: sentem-se, mas fogem aos primeiros movimentos da razão; é preciso sobre-esforço.
Avançou algumas páginas, regrediu uma porção de vezes. Embora tivesse certeza de haver lido, alguns parágrafos não cruzavam as fronteiras entre os olhos e a memória. Era necessário, era importante, era urgente: e já era reincidente na desistência. Olhou o índice; viu que o capítulo logo seria superado, e então ganhou embalo. Chegou ao segundo, contemplou-o enquanto avaliava se deveria prosseguir. Sentia que sim, mas também pensava que um intervalo era uma recompensa merecida. Os intervalos eram perigosos: a mente livre para vagar estaria suscetível à marginalidade do exterior. Conhecendo-se, sabia que os intervalos poderiam ser um convite ao não-retorno. Hesitou.
Dispensou os perigos, continuando a tarefa meio a contragosto e meio atraído pela curiosidade pelo tema. A superfície ganhou regularidade; o ritmo já era outro, tamanha foi a mudança que as feições estampavam satisfação. Os conceitos ganhavam robustez e os numerais das páginas eram incrementados promissoriamente. Às vezes os olhos serpenteavam para fora do texto e escaneavam o ambiente, são órgãos independentes e nem sempre se submetem a intenção da mente. Retornavam.
Todas as fatalidades são previsíveis, em um desses passeios a visão foi fuzilada pelo refletir do pequeno espelho negro. Era um acontecimento tão comum que não houve reflexão, a mão moveu-se sem advertimento e apossou-se do objeto. Os olhos não voltaram ao texto, a mente vagou e prontamente foi sequestrada. Os movimentos verticais do polegar eram mais fáceis do que o manuseio do livro, a progressão já não era custosa e o que era perdido já não importava, não era preciso voltar páginas, ou mesmo gravar em memória aquele amontoado de informações. Não era divertido, nem tedioso, era letárgico. A mente não foi resgatada; a inquietude, esquecida.